sexta-feira, 11 de julho de 2014

O lugar da fé

"Jesus admirou-se e disse aos que o seguiam: 
'Digo-lhes a verdade: Não encontrei em Israel 
ninguém com tamanha fé."  (Mateus 8. 10)


Jesus era sujeito caminhante, sempre a rumo, encontrando gente de tudo que era tipo. Com uma disposição de vida totalmente aberta para os outros, abria-se também para o surpreendente na vida das pessoas. Permitia que as pessoas o atingissem, seja como for, para o mal e para o bem. Não se eximiu de absorver toda a realidade humana naquilo em que ela se mostra, ou aberta, ou fechada para a fé. Algumas vezes ele se espantou com a fé das pessoas como no caso do centurião romano. Outras ele questiona, até em tom de indignação, sobre a falta de fé de seus irmãos israelitas: 'ó geração incrédula'; 'homens de pequena fé!'; onde está a fé de vocês?'. 

'Onde está a fé de vocês?'

Será essa também uma pergunta oportuna para nós, evangélicos protestantes, tão identificados com o primado da fé sobre todas as coisas?
Ou será que nos importuna muito sermos questionados a esse respeito, mesmo que quem o diga seja o próprio Senhor da fé?
Ora! Diremos então em tom uníssono e voz indivisa: Aqui está Senhor! Não vês os nossos credos e confissões? Aqui está a nossa fé irretocavelmente preservada como artigo, como tradição.

Quando Jesus remete essa sua pergunta aos homens, nunca deixa de fazê-lo na perspectiva da realização concreta da fé. É a respeito da fé que põe um pai em movimento, que faz uma mulher tocar nas suas vestes, que cura um cego, que expulsa um demônio, que faz andar sobre as águas, que faz doar-se para o outro... Desta fé ele está falando. Aquela que se concretiza. A isso também se assemelha o modo como Lutero encarou a fé. Como algo que, através de, se vive concretamente nas boas obras (obras da fé). A fé implica inevitavelmente num viver concreto.

Vejamos a respeito da fé então, e do lugar existencial que ela ocupa. 
Como pessoas sedentas por domínio e poder (eis o nosso pecado) costumamos nos referir a todas as coisas como se fossem bens utilitários de nossa vontade. Isso acontece inclusive em relação a Cristo. Deus não é uno nem trino na compreensão humana se formos analisar a realidade psicológica daqueles (pessoas ou grupos) que se dizem confessar o seu nome. Ele é multi, pois para cada um (pessoa ou grupo) há um personal jesus correspondente do qual se toma posse, muitas vezes através da apropriação intelectual (quando a expressão de fé é mais racional). Outras vezes pela apropriação afetiva, mística, etc. dependendo do contexto cultural específico. Mas independente das relatividades culturais, a questão é que na nossa mão (ou aquilo que pensamos estar ali para possuirmos), tudo se torna um objeto. Nessa dinâmica acabamos desnaturalizando muitas 'coisas' que, na realidade, são sujeitos e não objetos. Exemplos: Fazemos isso com as pessoas, conosco mesmo, com Deus e, permitam-me dizer aqui, também com a fé e a verdade que admitimos vir de Deus. Digo isto porque não entendo a fé ou a verdade cristã como uma entidade abstrata e impessoal como nas filosofias, mas como algo(guém) pessoal. Cristo é o conteúdo da fé e a verdade divina. Ele é a verdade encarnada, pessoalizada. 

Precisamos parar de tratar a fé ou a verdade como 'coisas', ou objetos de nossos esforços enquanto 'conquistadores' (da verdade) e 'defensores' (da fé). Precisamos, isto sim, nos enxergarmos como possuídos por esta fé e por essa verdade. São elas que conquistam e defendem as nossas vidas. Isso nada mais é do que estar nas mãos de Cristo. De acordo com Lutero, é a boa obra de Deus em nossas vidas (a obra da fé). 

Portanto, quando Jesus pergunta: onde está a fé de vocês? Acredito muito pouco que ele esteja se referindo a um objeto que podemos transportá-lo de um lugar para outro, de acordo com os níveis de nossa capacidade, nos ambientes abstratos de nossa mente. Ele não está falando de um pacote mental, verbalizado, organizado em artigos e parágrafos que encontra sua realização funcional na boca de quem o confessa. Quando ele faz essa pergunta - 'onde está a fé de vocês?', penso eu, ele está querendo dizer o seguinte: Onde está, na vida de vocês, a manifestação existencial concreta daquilo que eu sou, o poder para viver segundo eu vivi, o amor encarnado revelado em mim? 

A fé como representação escrita plena, penso ser somente aquela da qual o apóstolo Paulo fala como sendo escrita em tábuas de carne do coração - o conteúdo da fé como carta humana.
Carne, eis aí o lugar da fé. 


(continua...)

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Texto: Thiago de Mattos

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