quinta-feira, 29 de maio de 2014

A confessionalidade verbal da fé

Nós evangélicos protestantes tratamos com muita seriedade o valor da confissão de fé. Isso faz bastante sentido já que nossa igreja nasceu sobre um chão marcado pelos debates teológicos, concílios e formulações de confissões de fé. Olhando para mais longe, para a igreja antiga (os pais da igreja), vemos que essa preocupação com a articulação correta da fé não foi apenas privilégio dos reformadores. E olhando para mais longe ainda, podemos ver também este tipo de atitude até nos escritos dos apóstolos. Tudo isso reforça a nossa identidade construída historicamente como um povo que confessa o conteúdo de sua fé sistematicamente. A isso demos o nome de ortodoxia. 

Agora vem a pergunta: Nós como protestantes não temos reproduzido este movimento todo em torno de nossa confissão de tal forma a negligenciarmos, em certa medida, o último ato deste mesmo movimento? De tal maneira que ele nunca chegue livremente ao seu objetivo, digo, às obras? Por que afinal de contas a fé sem obras é morta, diz a Bíblia, a despeito do nariz torto de Lutero para a carta de Tiago do Novo Testamento. Será que toda essa nossa articulação confessada não se tornou, historicamente, um movimento circular fechado em torno da fala, ao invés de ser um movimento espiralar que se expande, e na medida que cresce se transmuta da fala para ações práticas (da palavra para a carne)?

Essa ênfase na confissão verbalizada, articulada em artigos, pronunciada nos credos, não seria por assim dizer, um provocar-fazer reducionista da experiência da fé, e, por implicação, uma atitude de não integralidade em relação ao evangelho que ela proclama? Pois é verdade também que as boas obras da igreja (instituição) ao longo dos séculos talvez não fazem frente a todas as suas barbaridades. Somam-se, por exemplo, ao conteúdo herdado de nossa historicidade, inúmeras disputas ideológicas e políticas que, levadas a cabo, não tinham nada a ver com o objetivo final da fé, que são as boas obras. Pela dita confissão de fé vigente (seja apostólica romana ou reformada) praticou-se, como missão cristã, assassinatos, perseguições e violações de todas as leis que hoje nomeamos de humanitárias.

É claro que hoje não matamos mais ninguém em função da nossa fé-artigo (pelo menos não fisicamente). Mas continuamos enfatizando aquilo que os apóstolos, pais da igreja e reformadores fizeram questão de relacionar a fé: sua representação enquanto artigo teológico. E fazemos isso sem talvez irmos para um ponto mais originário ainda - a propósito o ponto primeiro... aliás, primeiro e último: Jesus Cristo. Porque se ater demasiadamente ao que se ramificou dele, sem se perguntar que o que mais interessava a ele era simplesmente amar concretamente as pessoas e salvá-las através deste amor? Para Jesus o importante era a articulação da práxis. Ele não perdeu tempo articulando o evangelho com outra coisa senão com a sua representatividade concreta e real na vida das pessoas. 

Não estamos questionando aqui o valor histórico das confissões e credos, muito embora se pense que a tradição possa (e deva) nesse sentido, ser questionada, ainda mais se estiver em jogo a vivência da fé com mais sentido histórico para o hoje.

Entrementes, continua sendo mais importante para o protestante a ortodoxia do que a ortopraxia - pois a verdade do cristão repousa ortodoxamente e não ortopraxiamente - e, ao meu ver, aí reside um tema central da dificuldade de compreender e expandir o horizonte da reflexão e da prática acerca de missão integral.

(continua na próxima postagem sob novo título)

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Texto: Thiago de Mattos

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Missão Integral

- E disse-lhes: Ide por todo o mundo, 
e pregai o evangelho a toda criatura -
Marcos 16. 15


Ao longo dos tempos os cristãos têm enxergado aquela famosa frase dos evangelhos sob lentes diversas. O “Ide” desde o dia em que foi pronunciado por Jesus não é um comissionamento estático na sua maneira de ser interpretado e praticado. Por todos esses anos de expansão do Cristianismo a tarefa dada por Jesus tem sofrido muitas transformações. Quem dá um excelente panorama dessas mudanças de paradigma ao longo da história é David Bosch em seu livro “Missão Transformadora”. Ali podemos notar o quanto a ideia de Missão e a prática da mesma é algo condicionado pela consciência de mundo da época.

Nesse sentido a Missão já foi um movimento marginalizado e contracultural (pré Constantino;) já foi um movimento automatizado pelas vias políticas (pós Constantino); já foi missão coercitiva segundo o modus operandi imperialista e colonialista (Religião Oficial); também já foi vista como um esforço conjunto com o desenvolvimento da educação e da legislação política; já teve suas nuanças moralizantes, racionalizantes e proféticas, inclusive. A tudo isso se agrega ainda (e fundamentalmente) a visão do Cristo que profere o “Ide”, que também não é uma figura estática e sofre transformações no decorrer da história. Pois, ora é o Cristo perseguido e marginalizado, ora é o Cristo imperador e conquistador (exemplos de polarizações, para dar uma ideia do nível de dilatação a que se chega nossas compreensões acerca de Cristo e seu Evangelho).

A Missão de Deus tem uma história e nos enganamos se pensarmos que não somos herdeiros dela, e, mais ainda, assumimos uma postura alienada quando não considerarmos também os efeitos desta época em que vivemos na nossa compreensão e prática dela. Nós, evangélicos protestantes da América Latina, inseridos num determinado contexto sócio-econômico, temos chegado ao termo: “Missão Integral”. E, ao que parece, até agora, como articulação missiológica faz bastante sentido para a nossa realidade.

Mas o que nos importa afinal chegar até o "termo" e não ultrapassá-lo? Estruturar nosso pensamento e não pô-lo à prova? 

O principal objetivo de nossa Missão, antes de enquadrá-la em categorias mentais acessíveis, é vivenciá-la na prática, de maneira simples como Jesus nos ensinou (e cuja força de ação é o seu amor).
Conceituar Missão ou mesmo torná-la um artigo confessional verbalizado ainda não é experimentá-la integralmente como Missão, se não houver a sua experiência prática. Por isso nossa reflexão aqui não tem a ver apenas com a compreensão das coisas, mas também como agimos em relação a elas. Nosso esforço deverá ser antes de tudo tornar este termo carne, que é o solo da experiência concreta e real com Deus. 
Humanizar o termo! Eis aí nossa tarefa!


Continua...

(A relexão vale à pena, vamos tratá-la com doses homeopáticas)


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Texto: Thiago de Mattos