quarta-feira, 4 de junho de 2014

Crer é (também) agir

"Nem todo aquele que me diz 'Senhor, Senhor', 
entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele 
que faz a vontade de meu Pai que está nos céus" Mt 7. 21


Talvez ainda seja necessário discorrer um pouco mais sobre aquilo que chamamos anteriormente de "confessionalidade verbal da fé" e das hipóteses até aqui mencionadas acerca das ênfases dadas a este tipo de expressão da fé. A tradição cristã é profundamente reflexiva e discursiva. A fé regularmente foi experimentada (exaustivamente) como objeto da reflexão e do discurso. O habitus cristão foi sendo construído nesse movimento em torno das ideias a respeito do conteúdo da fé (Teologia). E esse movimento se refere, ao que me parece muitas vezes, se tratar apenas da articulação verbal para a apreensão pessoal ou comunitária dos conteúdos da fé (confissão) e para o discurso em relação a eles (pregação). Nesse sentido se torna um movimento cíclico retroalimentativo que parece satisfazer a fundamentalidade da fé aí pretendida, ou seja, como objeto articulado em relação à fala (apreendido e comunicado). Tanto que ainda hoje medimos a qualidade de vida de nossas igrejas locais pelo número de pessoas que frequentam nossos cultos (ambiente da fé verbalizada) e não pelo número de cristãos envolvidos na sociedade em práticas de serviço e amor ao próximo - mesmo que a pregação cristã tenha um caráter significativamente prático.

A teologia reformada gosta muito de dizer que crer é também pensar, talvez em resposta a um mundo que mede as coisas pela razão (embora também se enxergue os sinais de que este mundo esteja passando). Mas o que pelo menos fica evidente em Cristo é que importa muito menos falar, pensar ou mesmo confessar a fé verbalmente do que vivê-la na prática. Jesus não fez teologia. Nós fizemos. Em categorias de fundamentalidade nada está para Cristo que não parta dele mesmo, ou seja, teologia não é fundamental - pode ser importante de várias maneiras, mas não fundamental!. Daí creio que a fundamentalidade da fé está mais para a sua ação prática-encarnada do que sua confessionalidade verbal. Para exemplificar tem-se inclusive palavras do próprio Mestre (Mt 7. 21).

Teologia é produção humana em relação ao conteúdo da revelação divina, e como tal pode pender seus resultados de ação no mundo para um lado que não seja necessariamente da vontade de Deus. Nesse sentido ela pode inclusive assumir categorias ideológicas semelhantes às vinculadas às filosofias deste mundo, que assumem internamente um caráter de dominação em relação a verdade e arrogam para si a cosmovisão mais coerente da realidade. As teologias podem sucumbir ao mesmo tipo de pretensão ao buscar uma verdade objetiva, abstraída e sistematizada, e, com mais gravidade do que em qualquer outro conjunto de ideias que visa construir-formar (ou re-formar) uma visão de mundo, pois o faz em nome de Deus. Aqui temos o terreno preparado para os sectarismos e os proselitismos cristãos - e porque não também a origem de todos os denominacionalismos?. Temos a fé instrumentalizada enquanto lente de interpretação-julgamento-sistematização da realidade. E o perigo de toda sistematização é se fechar e pecar contra a pluralidade e diversidade da vida, que nunca se enquadrará no domínio limitado da articulação verbal. A teologia, portanto, pode ser tão pretensiosa quanto a filosofia (e igualmente limitada).

O problema todo, ao que parece, está na maneira como nos relacionamos com a verdade. Diferentemente das filosofias, o cristão crê numa verdade-pessoa (Cristo) que pode ser conhecida de maneira experiencial (e não verbalmente abstrata - como se fosse de ouvir falar apenas), e a experiência com Cristo se dá na vida dos outros (Mt 18. 5; 25. 40). 

De forma bastante simples basta pensar que o evangelho não veio para ser instrumentalizado para a visão, e sim, enquanto veículo de comunicação e interação humana. É uma mensagem na qual está, de acordo com a multiforme graça de Deus, a potência para a instrumentalização da fala-ação (ou seja, não somente verbal) e não da visão. A mensagem é simples, não precisa de muita articulação codificada. Cristo é o Evangelho diz a boa teologia, e Cristo veio não para compartimentar a realidade em estruturas teóricas para a satisfação da mente, mas para amar e se envolver com ela na prática até as últimas consequências, "não para julgar o mundo, mas para salvá-lo" Jo 12. 47. 

(continua...)


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Texto: Thiago de Mattos